A filantropia no Brasil está em um ponto de inflexão.
Quase 40 anos após o fim da ditadura, o Brasil tem um campo filantrópico organizado e um setor social cada vez mais forte, apesar da tentativa contundente do ex-presidente Bolsonaro de miná-lo. Ao contrário de outros países do Sul Global, temos uma abundância de riqueza local - de indivíduos ricos à filantropia corporativa, e ao cidadão comum.
No entanto, à medida que o campo da filantropia no Brasil se desenvolve, algumas questões importantes sobre poder e responsabilidade começaram a surgir.
Até o momento, o campo de conhecimento que tem sido construído em torno da filantropia brasileira tem sido amplamente influenciado pela chamada filantropia estratégica (também conhecida como Investimento Social Privado) - modelos de doação de cima para baixo que mantêm o poder nas mãos dos doadores.
No entanto, está claro que estamos entrando em uma nova era de como praticamos a filantropia. Há cada vez mais conversas entre os filantropos sobre o que significa transferir poder para líderes e agentes que estão na linha de frente da transformação - como parte da mudança de paradigma em direção à filantropia comunitária e à doações baseadas na confiança, que está ocorrendo em todo o mundo.
É por isso que estamos entusiasmados com o lançamento do Proximate Brasil, um novo projeto da Proximate, em parceria com a Philó | Práticas Filantrópicas, que usa o jornalismo para ampliar os modelos emergentes de solução participativa de problemas no Brasil.
A solução participativa de problemas refere-se a modelos inovadores que transferem o poder sobre as decisões e a alocação de recursos para pessoas com experiência de vida - aquelas próximas ao problema. Esse é o foco da Proximate, uma redação global sem fins lucrativos lançada no ano passado para cobrir conversas sobre a mudança de poder nos sistemas que governam nosso mundo. É também um interesse central da Philó | Práticas Filantrópicas, uma iniciativa que visa a libertar a essência transformadora da filantropia.
Estamos lançando essa colaboração para aprender e explorar os movimentos crescentes de transferência de poder e de apropriação comunitária que estão ocorrendo atualmente em todo o Brasil.
A proposta principal da Proximate Brasil será uma série de histórias e um boletim informativo para um público de agentes de mudança e líderes de impacto social brasileiros e internacionais. Esta primeira edição traz histórias sobre modelos alternativos de doações, novas redes de filantropos de justiça social e perspectivas sobre a transferência de poder dos profissionais deste campo.
Esse novo paradigma será difícil de enfrentar. Ele exige a superação de nada menos do que o que a autora americana Barbara Christian chama de “crime de inocência”. Não há como fazer esse trabalho sem sermos solicitados a olhar para dentro de nós mesmos e de nossas organizações, e encarar nossa participação na formação de um mundo injusto. Quando reconhecemos e nomeamos os sistemas que inclinaram a balança em favor de nossa própria criação de riqueza, fica mais fácil perceber que a doação tem a ver com realinhamento e justiça social, e não com ajuda e favor.
Precisamos lidar com o medo de que trazer essas ideias progressistas para o campo filantrópico brasileiro possa ferir egos delicados e assustar os doadores. Precisamos ouvir as vozes das periferias do poder financeiro para entender os problemas sociais locais e decidir juntos. Precisamos saber onde a filantropia estratégica é um ativo (geralmente onde há processos mecânicos a serem implementados, como a logística de vacinas) e onde não. Precisamos reconhecer de onde vem o capital que enche os potes filantrópicos porque, quando isso acontece, fica muito claro que a filantropia tem a ver com reparação.
Esperamos que esta seja uma conversa e agradecemos seus pensamentos e ideias sobre os tópicos que devemos abordar em hello@proximate.press.
Obrigado por se juntar a nós nesta jornada.