O campo filantrópico precisa confiar nos verdadeiros especialistas – as pessoas que são apoiadas por ele

A reação à filantropia baseada na confiança veio à tona. É hora de os líderes doadores de base comunitária responderem

July 2024
May 2024
July 22, 2024
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O artigo original, em inglês, foi coproduzido e copublicado pela Nonprofit Quarterly e pela Proximate. A versão comentada em português foi produzida pela Philó | Práticas Filantrópicas e copublicada pela Proximate. Versão comentada em português por Joana Ribeiro Mortari.

Conforme o campo filantrópico brasileiro se desenvolve é comum procurarmos referências do norte global, onde algumas práticas estão sendo testadas há mais tempo.  Mais vezes do que gostaríamos, notamos que ao trazer tais referências para o Brasil, deixamos para trás dois elementos importantes: adaptação ao contexto brasileiro e as críticas e discussões que passam a integrar e constituir tais práticas, o que faz com que a fotografia da prática importada seja uma espécie de preto e branco.

Neste sentido, esta versão comentada, em português, do artigo escrito por Cynthia M. Gibson, Lisa Pilar Cowan, e Jocelynne Rainey para a Proximate.Press e Nonprofit Quarterly tem a intenção de trazer uma fotografia atual sobre as discussões relativas a práticas filantrópicas com base na confiança. 

Quem toma as decisões sobre para onde vão os recursos filantrópicos?

Durante muito tempo, a sabedoria convencional era de que a decisão sobre grandes doações deveriam ser feitas por profissional especializado, mas há pelo menos uma década as limitações daquilo que veio a ser chamado de “filantropia estratégica” já eram evidentes. A confiança nas instituições – incluindo a filantropia – começou a diminuir drasticamente, abrindo a porta para ainda mais críticas públicas à fundações e grandes doadores como sendo elitistas, não transparentes e plutocráticos. No Brasil o número de organizações filantrópicas que fazem grandes doações (grantmaking) é pequeno, como mostra o Censo Gife 2022-2023,  e as que o fazem cultivam, de maneira geral, um amor cego pelos conceitos da filantropia estratégica, também chamada de Investimento Social Privado.  A premissa de imagens que precisam ser atualizadas se prova, uma vez que poucas críticas à filantropia estratégica discutidas até hoje no Brasil. 

Além disso, uma pandemia e um movimento mundial de justiça racial exigiu mudanças em quem faz grandes doações e em como elas são feitas, o que resultou em apelos à filantropia para reconhecer as origens (muitas vezes exploradoras) da sua riqueza (como fizeram alguns financiadores) e transferir ao menos parte do poder contido na tomada de decisões sobre as doações feitas para parceiros comunitários. 

Talvez não seja surpreendente que estes apelos tenham começado a gerar uma reação contrária. Em dezembro, a revista do Manhattan Institute, chamada City Journal, publicou uma crítica contundente à filantropia baseada na confiança assinada por James Piereson e Naomi Schaefer Riley, intitulada “Confiem e Nós e Tudo Bem (Just Trust Us)".  Tal artigo parecia ser o início de uma tendência, eis que outro com objetivo semelhante apareceu no Chronicle of Philanthropy em janeiro.

Se no Brasil as conversas sobre os limites da filantropia estratégica estão apenas no começo, menos ainda se fala sobre práticas de doação com base na confiança, círculos de doação ou outras práticas participativas. No Movimento por uma Cultura de Doação, um grupo apto, aberto e em constante conversa sobre o setor filantrópico brasileiro e, mais importante, que inclui financiadores, profissionais do campo e organizações sociais que recebem recurso, além de acadêmicos e representantes do governo federal, tais práticas são discutidas e fomentadas. Alguns profissionais do campo expressam a preocupação de que, se questionados em suas práticas filantrópicas, doadores institucionais irão paralisar e o campo retrair ainda mais. 

Apenas confie em quem?

Em "Confiem em Nós e Tudo Bem (Just Trust Us)", Piereson e Schaefer Riley tem como intenção desacreditar a filantropia baseada na confiança (Trust-Based Philanthropy, em inglês) e a ascensão de modelos de doações que transferem o poder e confiam nos que recebem recursos, o que inclui a flexibilização das exigências em relatórios até a mudança na forma como as decisões sobre doações são feitas para incluir os que estão de fora dos muros das fundações. 

Infelizmente, ao apresentarem os seus argumentos, Pierson e Schaefer Riley revelam o que acontece quando os "especialistas" presumem algo ao invés de consultarem aqueles que estão mais próximos da realidade sobre a qual estão falando, neste caso, doadores que adotam práticas participativas e com base na confiança. Se Pierson e Schaefer Riley tivessem sido cuidadosos e aplicado aos seus pronunciamentos públicos a mesma versão de diligência (due diligence) que exigem dos que recebem seus recursos, a caracterização que fizeram das práticas de doação com base na confiança poderia ter sido mais precisa.

Antes de responder as críticas, as três autoras do artigo em original, em inglês, declaram que partilham a visão de Piereson e Schaefer Riley de que a filantropia deve apoiar, de maneira séria e relevante, as organizações que realizam trabalhos importantes. Todas elas têm experiência de ter trabalhado em fundações e organizações sem fins lucrativos em diversas funções e conhecem o valor do apoio, financeiro ou outro, dado por doadores. O mesmo é verdade para mim, que traduzo e comento o artigo delas.

As autoras têm sido críticas fervorosas da filantropia tradicional (especialmente a feita por organizações filantrópicas). Ironicamente, Pierson e Schaefer Riley também o são. O movimento neoconservador do qual Piereson e Schaefer Riley fazem parte desenvolveu uma aversão à “grandeza” – centralização, profissionalização e elitismo. Esta visão permeou suas críticas à filantropia estabelecida, que historicamente tem dependido de renomados especialistas em políticas públicas, governo e academia para resolver problemas sociais, ao invés de depender da imensa reserva de sabedoria local e experiência prática. Contudo, elas ainda discordam veementemente de Pierson e Schaefer Riley em vários pontos, que são levantados neste artigo.

Definindo Conceitos

Em primeiro lugar, a caracterização que Pierson e Schaefer Riley fazem da filantropia baseada na confiança é imprecisa. Para esclarecer as coisas, esta é uma abordagem que se propõe a endereçar os desequilíbrios de poder entre organizações doadoras e receptoras e está enraizada num conjunto de valores que promovem a equidade, transferem o poder e constroem relações mutuamente responsáveis. 

Vale notar que nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, as referências sobre doações com base na confiança estão bastante concentradas em um movimento organizado e auto-denominado Trust-Based Philanthropy (TBP), sendo que alguns de seus materiais estão sendo traduzidos e publicados pelo GIFE. No Brasil, no entanto, a construção de conhecimento sobre confiança e doação não representa um movimento ou ferramentas específicas e parece investigar mais aprofundadamente o que é confiar do que nomear ou direcionar práticas. 

Os valores da doação baseada na confiança não são apenas “modinha”, mas operacionalizados por meio de financiamento institucional e plurianual, exigência de relatórios simplificados e um compromisso com a transparência, o diálogo, a construção de relacionamentos e a aprendizagem mútua. Em outras palavras, há muito mais por detrás da definição do que é uma doação com base na confiança do que “uma abordagem sem restrições à concessão de doações”, como alegam Pierson e Schaefer Riley. 

Pierson e Schaefer Riley também confundem doação baseada na confiança com outras abordagens que tentam desafiar sistemas de tomada de decisão verticalizados que rejeitaram ou ignoraram as "pessoas de carne e osso” – muitas vezes as mesmas pessoas que tem que lidar com racismo, pobreza e outros problemas complexos e que, desta maneira, normalmente tem as melhores ideias para endereçá-los. Isso exige dividir ou até ceder o poder de tomada de decisão a estas pessoas e comunidades, mas a forma como isso é feito não se limita à prática da doação baseada na confiança.

A doação participativa, por exemplo, é semelhante à baseada na confiança, mas acrescenta um elemento à mistura: ceder parte ou todo o poder sobre as decisões de financiamento a grupos comunitários que se beneficiam da doação. Piereson e Schaefer Riley não se atentam, também, a outras nuances. Por exemplo, os círculos de doação são uma abordagem participativa em que as pessoas se reúnem, juntam os seus recursos e decidem em conjunto para onde doar. Outra abordagem relacionada é a de "projetos de doação" que, por definição, são estruturados para terem membros de classes sociais e raças distintas.

Estes tipos de esforços democratizam o que tem sido historicamente da alçada de “especialistas” e outros encarregados de definir o que são boas práticas no campo filantrópico (em inglês, gatekeeper), além de também desafiarem a noção de que “toda doação é uma boa ação”, exigindo que a o campo filantrópico reconheça e se responsabilize por “estruturas que perpetuam a desigualdade e reforçam as vantagens sociais dos ricos”. Ou como Piereson e Schaefer Riley talvez sugerissem, “a elite”.

Finalmente, Pierson e Schaefer Riley confundem o que as autoras consideram consulta à comunidade (pedir conselho a quem recebe recursos) e o que as autoras chamam de participação autêntica. No primeiro, embora possam aconselhar doadores, dificilmente esta é uma prova de que a experiência e conhecimento daqueles que recebem os recursos serão levadas a sério, uma vez que os doadores ainda serão os responsáveis pela tomada de decisão final. Além disso, não existe qualquer sistema para verificar se os conselhos recebidos estão sendo seguidos. O resultado é a manutenção do sistema verticalizado e orientado por especialistas, que já está enraizado nas instituições tradicionais, incluindo as fundações, e que é o mesmo que os neoconservadores outrora criticaram.

De quem é a missão que você está financiando?

Para além destas questões conceituais, as autoras afirmam onde realmente discordam da lógica de Pierson e Schaefer Riley é no tocante à diligência (due diligence), segundo os quais “para garantir que os objectivos [dos doadores] sejam executados, evitando que estas organizações [que recebem seus recursos] não se deem conta da importância de tais objetivos ou não se sintam gratas pelos recursos recebidos".

O principal argumento de Pierson e Schaefer Riley é que a doação baseada na confiança representa uma negação da responsabilidade dos doadores – e do seu direito – de realizar diligência (due diligence) nas organizações que recebem recursos, que ao transferir o poder para as comunidades, os doadores estão sendo negligentes, o que os coloca em risco de financiar a “coisa errada” – ou, pior ainda, de não verem as suas visões filantrópicas individuais concretizadas.

Em primeiro lugar, Pierson e Schaefer Riley sugerem que os doadores envolvidos com práticas baseadas na confiança e outras abordagens participativas estão se exonerando de qualquer responsabilidade no processo, apontando como exemplo o que, na opinião deles, é o fracasso e o uso do dinheiro de maneira errada pelo movimento Vidas Negras Importam  (Black Lives Matter), que eles acusam de ter “desperdiçados ou roubados” centenas de milhões de dólares.

Vale ressaltar que o Vidas Negras Importam é descentralizado e inclui escritórios diferentes localidades e indivíduos que não são afiliados, bem como organizações mais formalizadas que, juntos, são responsáveis por uma mudança mundial de paradigma, como mostra os mais de vinte milhões que participaram de manifestações apenas em 2020, nos Estados Unidos.

Se Pierson e Schaefer Riley se referem a doações feitas à Fundação Black Lives Matter Global, uma organização com poucos funcionários que mobilizou 90 milhões de dólares no seu primeiro ano; sim, erros foram cometidos. No entanto, desde então houve um reconhecimento público e correções na contabilização, como pode ser visto no site deles, que mostra as informações financeiras auditadas e respostas às questões indiretamente referenciadas por Pierson e Schaefer Riley.

Mas o ponto principal desta conversa, para além das acusações feitas por Pierson e Schaefer Riley, é que mesmo quando as instituições filantrópicas adotam práticas baseadas na confiança e outras abordagens participativas, elas têm de aderir a regulamentos e políticas legais e fiduciárias impostas externamente e, isso requer sejam feitas diligência (due diligence) para que doador e receptor cheguem em uma compreensão conjunta dos objetivos da ação e resultados em potencial. 

Ao dedicar tempo suficiente para conhecer uma organização por meio de conversas, observação do programa, revisão das finanças e conexão com os parceiros locais, um doador cuja prática é baseada na confiança pode contribuir com recursos e, depois, estar disponível de formas que sejam úteis para o receptor da doação. As autoras acreditam que esta prática de doação, ao invés de impor requisitos invasivos e que esgotam o tempo e a energia de quem recebe recursos, ajuda a organização a alcançar sua missão. No Brasil, um exemplo de doação internacional baseada na confiança, onde o doador veio para o país, passou tempo na organização e, em seguida, ligou para perguntar se eles aceitariam recurso da sua fundação para, só então, mandarem um contrato de doação para a revisão (e não apenas aceite e assinatura) aconteceu com o Instituto Elos, em Santos, SP. Rodrigo Alvarez, líder da organização social, conta que se sentiu surpreso por ter sido sua primeira experiência com esta prática de doação mas que, acima de tudo, se sentiu respeitado.

Pierson e Schaefer Riley apresentam um segundo argumento, ainda mais surpreendente: o de que a doação baseada na confiança impede que doadores exerçam sua própria visão filantrópica. Pierson e Schaefer Riley apontam para histórias recentes de ex-alunos que suspenderam doações para os fundos de Harvard e de outras escolas Ivy League como exemplos de doadores que exercem a sua diligência (due diligence) “após o fato”, e alegam que a doação baseada na confiança mina o esforço dos doadores de “garantir que os próprios objetivos filantrópicos sejam alcançados” e permite que "as organizações se esquivem de dar a importância necessária a tais objetivos de se sentirem gratas pelos recursos recebidos".

O que falta é a participação da comunidade na definição do desenho do propósito para o qual as doações são concedidas. Se um doador realmente tem interesse no sucesso de uma organização, o seu apoio deve estar baseado em uma missão comum para que todos alcancem o objetivo final, e não servir para validar seus objetivos pessoais ou criar um caminho para que seja pessoalmente apreciado por sua doação, uma posição que as autoras acreditam ser a própria definição de elitismo.

Tudo isso nos leva ao papel de doador, onde as autoras também discordam de Pierson e Schaefer Riley. Sim, a doação baseada na confiança e outras abordagens participativas “confundem a linha entre quem doa e quem recebe recursos” e isto é intencional não apenas pelas razões descritas acima, mas porque os recursos de uma fundação devem sempre estar a serviço de um fim público eis que não são tributados. Assim, as fundações têm a responsabilidade de prestar contas e trabalhar em parceria com o público. 

Ainda que as autoras não tenham dito expressamente, o que fica claro na diferenciação entre a doação baseada na confiança e outras abordagens participativas vem antes da forma como quem doa e quem recebe recursos se relacionam. Na verdade, ela é uma consequência de uma mudança mais profunda de entendimento no setor que contém uma visão política, onde a filantropia é vista não como uma simples boa ação de indivíduos e empresas, mas como uma resposta consciente a um sistema comprovadamente desigual. Só é possível entendermos esta visão de mundo quando reconhecemos não apenas o uso de recursos (a doação) mas a forma como ele foi adquirido, inclusive reconhecendo que o sucesso muitas vezes não é apenas individual, como reza a meritocracia, mas facilitado pelos sistemas, inclusive o tributário.  

Nossa experiência com filantropia baseada na confiança

Por fim, uma vez que as autoras estão de alguma maneira ligadas a fundações, alegam que seriam negligentes se não oferecessem as próprias experiências com a prática de doações baseada na confiança e outras abordagens participativas.

A Fundação Robert Sterling Clark, da qual Cowan é vice-presidente, tem feito doações baseadas na confiança há seis anos, inclusive fornecendo recursos plurianuais de apoio institucional. Isto permitiu que a fundação apoiasse os receptores de recursos de maneira mais eficaz no seu trabalho, seja em relação a dilemas programáticos, busca de novas parcerias ou desafios financeiros a serem superados. A fundação acredita que desta maneira está contribuindo melhor para a sua própria missão do que se fosse exigir que as organizações apoiadas aparecessem no escritório uma vez ao ano para elogiá-los, puni-los ou cancelar o apoio.

A Brooklyn Org (antes chamada de Fundação Comunitária do Brooklyn), liderada por Rainey, fez doações baseadas na confiança durante a maior parte de sua existência. Durante a pandemia, a prática foi essencial para que a fundação financiasse 137 novas organizações (de um total de 214) garantindo que muitas pessoas que de outra forma teriam ficado desamparadas pudessem acessar recursos vitalmente necessários. A recente mudança de nome para Brooklyn Org é um reflexo de que a fundação é uma filantropia para – e informada pela – a comunidade.

Uma das coisas mais importantes que a Brooklyn Org aprendeu com os que receberam seus recursos e com as comunidades que atendem é que suas necessidades mudam e crescem e, portanto, a melhor maneira da doação atender a essas necessidades é ajudando estas organizações - que geralmente têm orçamentos e equipes pequenas - a estarem prontas para mudanças. Isso significa menos foco em métricas e relatórios, que tiram a atenção da equipe da missão das organizações sociais, e mais atenção em conhecer a elas e as comunidades por elas atendidas. Assim, a Brooklyn Org tem subsídios para fornecer apoio “além do cheque”, investindo em parcerias reais e fornecendo redes e oportunidades de formação de capacidades robustas, que fortaleçam as organizações sociais para que possam ser o mais responsáveis possível perante as suas comunidades e demais doadores.

O que me chama a atenção nos exemplos das autoras é que para que tudo isso aconteça existe um elemento que é impossível de ser doado mas é essencial para que tudo aconteça: tempo. Qualidade de conversa, relacionamento, conhecer profundamente as organizações apoiadas. O que o setor social pede, e no Brasil não é diferente, é que doadores desloquem o eixo e, ao invés de exigirem que informações cheguem às suas mesas, conheçam e formem suas próprias imagens do que acontece. De certa maneira, também estamos falando de um deslocamento de um lugar de privilégio, é mais fácil e rápido ler informações do escritório do que se deslocar para o território muitas vezes inseguro e indigesto onde estão as organizações sociais. 

Um exemplo brasileiro de organização doadora que busca doar baseado em confiança é o Instituto Antônio Carlos Pipponzi (IACP). Uma vez escolhidas as organizações a serem apoiadas por doações plurianuais voltadas ao fortalecimento institucional, o que é feito através de carta-convite, o Instituto entra na relação com as organizações apoiadas no que chamam de comunidade de aprendizagem, onde todos sentam juntos e em pé de igualdade à mesa, dividindo dificuldades, aprendizagens e trocando conhecimento, desafio que exige do IACP o exercício constante de consciência sobre seu poder financeiro. 

Um movimento em crescimento

Mesmo as grandes fundações, apesar da complexidade organizacional, estão encontrando formas de incorporar a doação baseada na confiança e outras práticas participativas no seu dia a dia.

O trabalho de uma das autoras, com fundações americanas, mostrou que várias delas estão incorporando práticas aqui referenciadas: fornecer mais apoio institucional e plurianual, simplificar relatórios evitando a coleta excessiva de métricas, e se engajar no desenvolvimento de estratégias de atuação participativas e na própria doação participativa – uma mudança que as autoras dizem poder ser diretamente atribuída aos movimentos da doação baseada na confiança e o da filantropia participativa. 

Isso não é uma opinião; há dados para comprovar. A BridgeSpan publicou, recentemente, uma pesquisa que concluiu que 39 por cento de coletivos de doadores reportam a utilização de “mecanismos participativos” para tomar decisões sobre doações, enquanto 47 por cento oferecem recursos sem restrição. Estes coletivos de doadores são, muitas vezes, uma saída para grandes fundações experimentarem novos modelos e as autoras esperam que estas experiências incentivem as fundações a adotar tais práticas internamente. 

Outro estudo que examinou o grau em que as grandes fundações americanas incorporaram a participação das partes interessadas na sua governança e decisões sobre doação, realizado por Kelly Husted, Emily Finchum-Mason e David Suárez da Universidade de Washington, concluiu que 83 por cento das fundações doadoras envolvem, até certo ponto, as partes interessadas (organizações sociais que recebem os recursos, organizações sociais e comunitárias que não recebem recursos, membros da comunidade afetados pelo financiamento da fundação doadora, ou público em geral) na sua governança ou decisão sobre doações.

Dada a insinuação de Piereson e Schaefer Riley de que as fundações que adotam práticas de doação baseadas na confiança e outras abordagens participativas negligenciam o processo de diligência (due diligence), é importante notar que 80 por cento dos entrevistados nesse estudo disseram que as práticas participativas levaram ao aumento da eficácia da doação e 66 por cento disseram que essas práticas também ajudaram a gerar soluções mais inovadoras para desafios sociais.

Para encerrar, não há dúvida de que a prática da filantropia é mais arte do que ciência, e uma vez que existem poucas regras ou diretrizes setoriais para além das impostas pelo fisco americano, ela está aberta à interpretação. No entanto, dado o truísmo frequentemente citado de que o recurso filantrópico é geralmente roubado duas vezes, na medida em que é frequentemente derivado da exploração de trabalhadores, da opressão baseada na raça ou de inúmeros outros meios antiéticos e, depois, retirado dos nossos fluxos fiscais pelos benefícios de imposto, acreditamos que é uma incumbência da filantropia exercer a sua responsabilidade de devolver recursos às comunidades, fazendo-o com grande respeito e escuta profunda. 

Dentre outras coisas, isto exige o compromisso de reconhecer os membros das comunidades como verdadeiros especialistas na descoberta de formas de resolver os problemas que enfrentam todos os dias e, depois, oferecer recursos para implementar as soluções que consideram prioritárias. A doação baseada na confiança, os círculos de doação e outras formas de filantropia participativa são estratégias estruturadas, rigorosas e eficazes. Como tal, merecem, no mínimo, maior consideração antes de serem categoricamente rejeitadas.

Cynthia M. Gibson, Ph.D. é consultora filantrópica e coeditora de Participatory Grantmaking in Philanthropy: How Democratizing Decision-Making Shifts Power to Communities (a ser publicado, Georgetown University Press)

Lisa Pilar Cowan é vice-presidente da Fundação Robert Sterling Clark

Jocelynne Rainey, Ed.D. é presidente e CEO da Brooklyn Org (anteriormente Brooklyn Community Foundation)

Joana Ribeiro Mortari é cocriadora do Movimento por uma Cultura de Doação, diretora da Associação Acorde e cofundadora da Philó | Práticas filantrópicas.

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